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terça-feira, 22 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24576: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXIII: Morés, Morés!

Guiné > Região do Oio > Olossato > 1966 > Vista aérea do aquartelamento, posta de aviação e povoação.  Foto do áçbum de Rui Silva (ex-fur mil, CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67). Reproduziada no livro do Amadu Djaló, pág. 25.



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves).

(xviii) Morés, sempre o Morés... 7 de fevereiro de 1972, Op Juventude III.


1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.



 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXIII:

Morés, sempre o Morés: Op Juventude III, 
7-12 de fevereiro de 1972 (pp. 224-228)

 

Dias depois, em princípios de janeiro de 1972, eu e o Tomás Camará voltámos a Morés.

Saímos de Bissau para Mansoa, onde apanhámos uma grande coluna até Bissorã. Aqui, depois de uma curta paragem, prosseguimos para o Olossato[ 1].

Quando chegámos, o comandante da companhia[2] do Olossato apresentou-nos o guia da zona, um homem de meia-idade. Jantámos e começámos os preparativos para a saída, para norte de Morés.

Andámos toda a noite até chegarmos a uma bolanha. Aqui, o guia chamou-nos a atenção de que tinha sido nesse local que perdera um filho, numa vez em que ambos tinham saído a servirem de guias à nossa tropa. Da bolanha víamos a mata de Morés, bem à frente dos nossos olhos.

Quando começámos a atravessá-la, fomos detectados. Durante a travessia e até entrarmos na mata as morteiradas não pararam. O PAIGC devia ter muitas granadas, sempre a fustigar-nos, mas com má pontaria, felizmente para o nosso grupo. Não respondemos ao fogo.

Ao progredirmos na mata vimos um homem a preparar-se para subir uma palmeira, com uma espécie de cabaça que trazia à cintura para extrair vinho de palma.

Quando o homem estava mais ou menos a meio da subida, avançámos na direcção dele e vimos três ou quatro pessoas em fuga. Disparámos meia dúzia de tiros na direcção deles e mandámos o homem descer.

Perguntámos-lhe onde ficavam as barracas e ele respondeu ‘muito longe, é muito longe’. Estávamos detectados há já muito tempo, não havia volta a dar. Eram cerca de 15h00 da tarde. O homem foi andando connosco, enquanto as morteiradas acompanhavam a nossa progressão. Decidimos que ia ficar connosco até ao pôr-do-sol, mas como nos pareceu que o prisioneiro não tinha grande importância acabámos por deixá-lo ir à vida dele.

A seguir rumámos para poente e, das 18 até às 23h00, continuámos a andar em direcção a uma zona, onde a retirada fosse mais fácil. Durante toda a noite, a área continuou a ser batida pelas armas pesadas do PAIGC. E, já de manhã, recebemos ordem do Olossato para retirar.

Quando chegámos ao Olossato, ainda antes do meio-dia, apanhámos a coluna para Bissorã. Tudo correu sem problemas na deslocação e quando chegámos àquela pequena povoação estava uma grande coluna à nossa espera, que nos levou de regresso a Mansoa e depois a Bissau.

Terminou assim, uma operação, sem contacto directo com o IN, mas que serviu para os mais jovens comandos esquecerem a anterior odisseia que ocorreu, dias antes, bem no centro de Morés. Havíamos ainda de voltar.

Não desistíamos. Desta vez, duas companhias nossas dispersaram-se por vários locais da área de Morés. A saída[3] não tinha começado bem. À ida, mais ou a menos a meio do percurso entre Mansoa e Bissorã, uma viatura da coluna pisou uma mina anticarro e tivemos dois mortos[4] e vários feridos, entre os quais um capitão europeu e um soldado[5], que perdeu uma perna.

Depois das evacuações, retomámos o andamento e ainda a pouca distância do local onde tinha rebentado a mina, apeámo-nos e internámo-nos na mata. Guiados por um homem, bom conhecedor da zona, rumámos para nascente, sempre a andar até ao anoitecer. 

Arranjámos um local para passarmos a noite e ao romper da aurora reiniciámos a caminhada em direcção ao objectivo, um acampamento que ficava na zona de Inchula, até que, por volta das 08h00[6], ouvimos barulhos numa área de palmeiras.

Passei para a frente e, com todos os cuidados, fomo-nos aproximando de um homem que estava a preparar o material para tirar vinho de palma. Prendemo-lo e entrámos em contacto com um grupo nosso, onde se encontrava o major Almeida Bruno.

 
– Mantenham o homem aí, que eu quero falar com ele.

Depois de chegar, perguntou-lhe onde se situava o acampamento do PAIGC.

– Muito longe  – respondeu.

Um interrogatório sem resultados, o homem não sabia nada de nada ou dizia sempre o mesmo, que o acampamento era longe demais.

Estavam a ser 09h00 e a nossa presença já devia ter sido notada desde o dia anterior. Uma avioneta esteve a sobrevoar a zona, a nossa presença não era novidade para ninguém. Nestas condições, o major disse-me para o acompanhar a uma tabanca abandonada, para montar a segurança, enquanto chamava os helis. E deu também instruções ao alferes Carolino para se manter emboscado no local onde se encontrava.

O nosso grupo foi caminhando para Sinchã, a tal tabanca abandonada. Enquanto o major pedia o helicanhão estendemos uma tela de sinalização. O heli chegou, o major Bruno entrou no aparelho e, quando estava a ganhar altura, ouvimos tiros e rebentamentos, vindos do local onde estava emboscado o grupo do Carolino, da 2ª Companhia. Tentei o contacto rádio com o Carolino, mas não obtive resposta. O que ouvi, foi ele a pedir uma evacuação mike[7].

Já no ar, o major perguntou-me o que se estava a passar. Respondi que não era nada com o meu grupo, que tinha ouvido o Carolino pedir uma evacuação e que ia tentar saber mais pormenores. Voltei a tentar o contacto com o Carolino até que, finalmente, tive resposta.

Transmiti-lhe que ia tentar progredir na direcção dele e que avisasse os seus homens da nossa aproximação. Quando o encontrei, disse-me que um grupo do PAIGC tinha caído na emboscada.

 Caíram na emboscada e vocês tiveram um morto? E eles?

– Talvez alguém do PAIGC esteja caído ali em frente.

Abrimos em linha e, cautelosamente, fomos avançando até encontramos uma picada. Não vimos nada, nem um único rasto de sangue.

 Como é possível, Carolino, vocês estarem emboscados, não fazerem nenhum morto ao PAIGC e foram vocês que sofreram um morto? Como é possível, Carolino?

Quando estavam emboscados, os homens do grupo do Carolino viram um grupo do PAIGC. Pensaram que era o Djamanca e os seus homens que vinham na direcção deles e um soldado, o Sherifo Canhá, levantou-se e disse-lhes:

– É para aqui!

Levou logo uma rajada que o atingiu com muita gravidade[8].

A seguir recebemos ordem para regressarmos para Mansoa, pelos nossos meios, a pé. Sem esperar mais nada, iniciámos a marcha, até que, por volta das 16/17h00, atingimos a estrada que liga Bissorã a Mansoa. 

Quando a atingimos pedimos por rádio que nos enviassem viaturas. Ficámos surpreendidos com a resposta que nos deram. Que não estava previsto nos planos da operação regressarmos em viaturas e que, enquanto fossemos andando, contactássemos o posto de Braia, onde estava um destacamento das NT, e dizer-lhes que íamos passar lá a noite. Não tivemos outro remédio senão prosseguir a pé até Braia, quase à entrada de Mansoa.

Quando chegámos, o comandante do destacamento lamentou-se, que ninguém os tenha avisado e, portanto, que não estavam a contar connosco. Pediu também desculpa por não ter guardado jantar mas que tinha sobrado uma panela de sopa. Deu um prato para cada um, o que nos caiu muito bem.
____________

Notas do autor ou do editor literário (VB);

[1] Nota do editor: a cerca de 17 km, a nordeste de Bissorã.

[2] Nota do editor: da CCav 3378.

[3] Nota do editor: 7 fevereiro 1972, operação “Juventude III”.

[4] Nota do editor: 2 feridos graves evacuados para o HM241, onde ainda nesse mesmo dia morreu o soldado comando Issufi Turé e no dia 15 fevereiro o furriel comando Mamadu Saliu Djaló.

[5] Ussumane Seca, DFA.

[6] Nota do editor: de 8 fevereiro 1972.

[7] Morto.

[8] Nota do editor: o soldado comando Serifo Canhá, da 2ª CCmds, foi evacuado para o HM241, onde morreu no dia 11 de fevereiro 1972; a Op “Juventude III” foi dada por encerrada em 12 fevereiro de  1972.

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 21 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24493: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXII: Op Safira Solitária, na véspera do Natal de 1971, "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos a sofrerem 8 mortos e 15 feridos graves (pp. 212-224)

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22754: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XX: outras guerras, outros protagonistas: os mosquitos, as abelhas, as formigas, as matacanhas...



Foto nº 1


Foto nº 2 


Foto nº 3

Legendas: Foto nº 1 >  Bagabaga Baga Baga – Uma excelente proteção nos contactos no mato com o IN (e vice-versa!). Foto de autor desconhecido

Foto nº 2 > O Soldado Covas brincando com um dos habitantes do Cumbijã.  Cortesia do soldado Covas

Foto nº 3 > O cão rafeiro “Tigre” e a cabra “Joana”



 Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > A hortinha do José Carlos, estrategicamente plantada junto aos nossos chuveiros aproveitando a rega automática. 

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]







O ex- furriel mil Joaquim Costa: natural de V. N. Famalicão,
vive hoje em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.
Tem pronto o seu livro de memórias (, a sua história de vida),
de que estamos a editar alguns excertos, por cortesia sua. Tem um pósfácio da autoria do nosso editor



Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) (*)




Parte XX -  OUTRAS GUERRAS, OUTROS PROTAGONISTA



Para além dos perigos inerentes a um conflito militar, outros, também difíceis de ultrapassar, nos eram colocados:

Os mosquitos (**)

Um inimigo duro, resiliente e nunca vencido. Muitas vezes nos atirando para a cama de um hospital com o paludismo. Lutávamos contra este inimigo implacável utilizando todas as armas disponíveis: rede mosquiteira, repelente, álcool, etc.

Desde muito cedo nos ensinaram que a melhor forma de os combater era... o álcool.

Um sargento, tarimbado e porventura já imune, depois de uma noite bem bebida, dormiu sem rede mosquiteira e de manhã era vê-los todos mortos, os mosquitos,... de “coma alcoólico”!

Tal como o IN, atacava, principalmente, ao cair da noite.

Com este inimigo nunca houve tréguas, nem mesmo depois do 25 de Abril (estavam-se “marimbando” para as revoluções!). A luta foi, implacável, do primeiro até ao último dia de Guiné.

As formigas Bagabaga (**)

Segundo estudo do camarada  Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), eram “térmitas (cupim) que construíam montículos de terra endurecida onde habitava toda a comunidade.  Estes montículos podem atingir até cerca de 8 metros de altura. Espécie de formiga esbranquiçada e de contornos e cabeça avermelhados que vive numa comunidade, aos milhares, uma comunidade organizada com Rei, Rainha, operárias e soldados, e que constrói o bagabaga com a secreção de saliva misturada principalmente com pó de terra fazendo daquela obra de engenharia, arejamento, climatização e arrumação, o seu habitáculo. Desconheço se foi a formiga bagabaga que deu o nome ao montículo ou se o bagabaga (montículo daquela formiga) é que deu nome à formiga”.

Atacavam pela calada, em silêncio, principalmente quando adormecíamos na mata. Entravam por todas as aberturas: Pernas das calças, mangas da camisa e pelo pescoço. Muitas vezes assisti ao desespero de camaradas a tirar toda a roupa e a coçar violentamente os “coisos” (e não só). Depois de se instalarem, era muito difícil desalojá-las. Muito mais difícil do que desalojar o IN na operação “Balanço Final”. Já “calejado”, sempre que dormia na mata, atava um nagalho nas calças e nas mangas e apertava o último botão da camisa.

As abelhas

Estas foram o único adversário que conseguiram desbaratar todo um grupo de combate que fugiu “covardemente” do terreno de batalha. 

O lema deste temível adversário era: Juntos somos invencíveis. Ouve-se lá ao longe em pequeno zumbido (o enxame), que se vai aproximando à medida que aumenta o pânico no grupo de combate, experimentado e disponível para outras guerras que não esta.

Tudo fica em silêncio para não denunciar a sua presença, não conseguindo disfarçar o “cagaço” que reina nas hostes.

De um momento para o outro, militares experimentados, com grande espírito de grupo (cujo lema é ninguém fica para trás), que colocados em situações de grande dificuldade nunca vacilaram ou fugiram, começam a gritar como crianças mimadas e assustadas, a chorar e a chamar pela mãezinha, largando a arma, mochila e tudo o que dificulta a fuga, sem saber para onde, procurando safar-se daquele horror, sem nunca pensar nos que ficam para trás, cada um por si.

Estavam já perto do destacamento, pelo que a maioria alcança-o em corrida louca com dezenas de abelhas coladas na cara e braços, com a estupefação do pessoal que os via chegar, sem arma, sem cinto, sem bornal e sem cantil, olhando para a orla da mata a confirmar se o IN vinha em perseguição. 

Felizmente não participei nesta cena “degradante” que atirou por terra todo o prestígio e respeito conquistado no teatro de operações

Um grupo de combate saiu para recolher todo o equipamento deixado na fuga e ajudar os que ficaram para trás (um militar nunca deixa outro militar para trás!) a regressarem ao quartel.


A Matacanha (**)

A matacanha é uma pulga minúscula, que penetra nos dedos dos pés e se desenvolve produzindo um saco de ovos que pode chegar a atingir o tamanho de um grão de milho. Tem de ser removida com habilidade, utilizando uma agulha fina. Alguns africanos eram de tal forma atacados pelas matacanhas, que acabavam por quase não conseguir andar. Eram então apelidados de calonjandas.

Depois de vários patrulhamentos, na época das chuvas, em bolanhas inundadas, comecei a sentir uma comichão no dedo grande do meu pé direito. Fui coçando supondo tratar-se de uma ligeira micose, comum nestas regiões. A comichão não passava e começou a afetar a minha marcha.

Tomei a decisão de consultar o nosso furriel enfermeiro, numa altura em que este estava a folhear, se a memória não me falha, uma revista de medicina, da especialidade de “anatomia” (penthouse) que o Martins lhe tinha emprestado. Mostrei-lhe o pé e, sem um Raio X, sem uma ressonância magnética ou análises à urina, atira-me, numa fração de segundos, o diagnóstico à cara:

- Temos aqui uma matacanha que precisamos de remover. 

Pensei, é desta que vou passar umas férias a Bissau, tratar de tal coisa que nunca tinha ouvido falar. 

 Ó Caetano! trata lá disso para ser operado o quanto antes em Bissau.
 Está bem  – dise  o Caetano–  dá cá o pé para eu fazer o relatório que te acompanhará até Bissau. 

Dou-lhe o pé e logo ele com a  da faca de mato, que desinfetou com uísque (creio que Ballantines) escarafunchou até encontrar o dito bicho que me colocou na palma da mão a “rabiar”. Ainda não foi desta que fui comer umas ostras a Bissau…

Nota: O Caetano afirma que me tirou a matacanha não com a faca de mato mas com uma agulha bem desinfetada com Whisky. É a palavra dele contra a minha…

Outros protagonistas bem mais pacíficos:

O Macaco-cão

Não havia saída para o mato em que não encontrássemos estes amigos babuínos, vítimas indefesas de uma guerra que que não era a sua. Eu ficava maravilhado com as suas acrobacias de árvore para árvore, alguns com os seus filhotes às costas. Eram grandes observadores repetindo gestos e procedimentos que viam nas nossas tropas. Cheguei a ver ao longe um grupo caminhando na picada mais parecendo um grupo de combate, descortinando um ou outro com um pau mais parecendo picadores.

Em emboscadas noturnas quando pressentiam um ruído estranho,  ladravam como uma matilha de cães. Era nossa convicção que estavam do nosso lado, “ladrando” quanto pressentiam que o perigo espreitava.

Há relatos de muitas vezes serem confundidos por grupos de IN com o descarregar de todas as munições sobre estas indefesas criaturas por tropa periquita ainda num processo de aprendizagem

Como era comum em quase todos os destacamentos, havia dois pequenos macacos no Cumbijã, sendo um deles companhia inseparável do furriel França, ainda periquito, do meu pelotão.

Da grande colónia de macacos com os quais convivíamos diariamente na altura, e que faziam as nossas delícias, de acordo com as informações que chegam de alguns cooperantes, com o consumo nas zonas rurais como subsistência e com o comércio organizado, já é muito raro encontrar esta espécie nas matas da Guiné.

Ainda hoje me repugna o facto de, com alguma probabilidade, ter comido em Aldeia Formosa macaco cão,

Como já referi num post anterior, fui convidado, por um Furriel africano, para comer uma cabra de mato (que estava divinal), que vomitei, depois do anfitrião ter declarado, no final do repasto: “Ainda bem que gostaram do macaco cão preparado por mim!”

Ainda hoje não sei se comi cabra de mato  ou macaca cão..

 O "Tigre" (***)

O nosso cão rafeiro e fiel amigo. Era o primeiro a dar sinal que algo ia acontecer, seja ataque ao arame ou flagelação. Era um “come e dorme” mas não deixava de estar presente sempre que alguém saía para o mato, assim como era o primeiro na “porta de armas” a receber-nos no regresso.

Habituado às carícias de toda a companhia não reagiu bem à chegada da cabra Joana que trouxemos de Nhacobá no dia da operação “Balanço final”

A "Joana" (***)

A simpática cabra que trouxemos de Nhacobá, no dia do assalto, passou a ser a dona do destacamento. Manteve até ao fim um relacionamento conflituoso com o rafeiro "Tigre", numa luta de “titãs” pelo poder.

No dia de abandonar o Cumbijã,  não deixamos de verter uma lágrima por deixar estes dois grandes e fieis amigos entregues à sua sorte.

Continua ...
____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 12 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22711: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XIX: As hortinhas... dos "durões"

(**) Vd. postes de 

20 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7012: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (1): Paludismo (Rui Silva)

26 de novembro de  2010 > Guiné 63/74 - P7342: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (3): Formiga baga-baga (Rui Silva)

26 de janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7674: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (4): As abelhas (Rui Silva)

(***) Vd. poste de 1 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22422: Passatempos de Verão (24): A cabra Joana de Nhacobá e o cão rafeiro Tigre de Cumbijã: fábula 2: "Ao que parece, nem os macacos se salvaram" (Joaquim Costa)

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20311: Memória dos lugares (396): Roteiro de Bissau Velha: ruas antigas e ruas atuais, onde se localizavam algumas casas comerciais do nosso tempo: café Bento, Zé da Amura, Pintosinho, Pinto Grande / Henrique Carvalho, Taufik Saad, António Augusto Esteves, Farmácia Moderna...


Mapa de parte da baixa da velha Bissau (colonial), entre a  Avenida da República (hoje, Av Amílcar Cabral) e a fortaleza da Amura.  A escuro, dois prédios que pertenciam a Nha Bijagó.  Fonte: António Estácio, em "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il.),


Guiné- Bissau > Bissau > c. 1975 > Novo mapa, pós-colonial, da capital da nova república, já com as novas designações das ruas, avenidas e praças, que vieram substituir o roteiro português: Av 3 de Agosto (,  Marginal), a Rua Guerra Mendes (, Rua Oliveira Salazar,)  Rua António Nbana (, Rua Tomás Ribeiro) . Veja-se a localização da Fortaleza da Amura, do porto do Pidjiguiti (para os barcos de pesca e de cabotagem), à esquerda do porto de Bissau (para os navios da marinha mercante).


Foto: © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Às vezes temos dificuldade em localizar, no mapa de Bissau do nosso tempo (1961/74),  aquela casa comercial, aquele restaurante ou aquela cervejaria de que temos boas memórias... Faltam-nos um mapa com a toponímia do "antigamente", e a correspondência com os nomes das ruas e avenidas atuais... 

Com a ajuda de algumas camaradas que conhecem (ou conheceram) Bissau, aqui fica um pequeno contributo, parcelar,  para nos ajudar a localizar, com mais rigor, alguns desses estabelecimentos, alguns com várias referências do nosso blogue: por exemplo, ainda recentemente falámos aqui do comerciante António Augusto Esteves, fundador da Casa Esteves, transmontano, e que ainda ficou por lá depois da independência,  tendo ido para a Guiné  em 1922 e tendo morrido em Lisboa, em 1976...  [Tinha várias filiais no interior da Guiné. A sede era em Bissau, na antiga Rua Honório Barreto (6). ]

Segundo o António Estácio, no seu livro "Nha Bijagó", "a Rua Honório Barreto foi, na Guiné, a primeira a ser asfaltada e reabriu em 06.04.1953"...  Nesta rua, agora 19 de Setembro,  "encontravam-se estabelecimentos comerciais como, por exemplo, o de Augusto Pinto, a Olímpia Rocha (10), Barbearia Constantino (9), Casa Esteves (6),  Salgado & Tomé (11), Luís A. de Oliveira (12) e, mais tarde, parte o do Taufic Saad (4), na esquina com R Oliveira Salazar.

Na Rua Oliveira e na Marginal, ficavam as instalações da Ultramarina (que pertencia ao BNU) (14), o Hotel Miramar (15), a Gouveia (13)...

Na antiga Rua Miguel Bombarda (hoje 12 de Setembro), tínhamos o Zé da Amura (7),o Abel Dieb (19),  a Casa Escada (17), o Abel Valente de Oliveira (18), o Mamud Elaward (20). Sabemos também onde ficava o Benjamim Correia (16), ao pé da Farmácia Moderna (5), o Barbosa & Comandita (21) e a Esquadra da PSP (22)



Infelizmente o croqui que encontrámos num livrinho do António Estácio, só inclui a parte oriental da Bissau Velha,  entre a  Avenida da República (hoje, Av Amílcar Cabral) e a fortaleza da Amura (8). 

Aguardamos, por parte dos nossos leitores. o envio de sugestões e correções, sob a forma de comentários, na respetiva caixa. Se nos quiserem mandar fotos, terá que ser por email... (LG)


Zé da Amura (7)

(...) Tínhamos o Zé da Amura onde se comiam uns chispes que iam para lá enlatados não sei de onde, mas que, à falta de melhor, eram apreciados. (...)

Café Cervejaria Bento [ou 5ª Rep] (1)

(...) Na Avenida principal [ , a Av da República, hoje Av A,ílcar Cabral], que ía do porto ao Palácio do Governo, também havia o Bento, café e esplanada característica da cidade a que vulgarmente nós, os militares, chamávamos de “5ª Rep.” já que o Quartel-general [, na Amura,]nsó tinha 4 Rep, 4 Repartições.

(...) O comércio de Bissau não era constituído só por cafés, restaurantes e tascas. Havia de tudo. E há nomes que não se esquecem. Para além da Casa Gouveia, o maior empório daquele então Província Ultramarina, como então se dizia, a Casa Pintosinho, a Taufik Saad, a Costa Pinheiro, e muitas outras vendiam de tudo, são nomes que ficaram para sempre na memória.

(...) "Havia, claro, várias casas de fotografia, como por exemplo a Agfa, perto da Amura, que ganhavam muito dinheiro na medida em que era raro o militar que não tivesse comprado a sua Fujica, Pentax, Nicon, etc., a que davam muito uso. Muitas casas vendiam roupa barata, nessa altura já confeccionada em Macau, especialmente aquelas camisas de meia manga, calças de ganga e sapatos leves."


Casa Pintosinho (2)

(...) Na Guiné, mais propriamente em Bissau, fomos encontrar coisas boas no comércio. Uma surpresa! Logo ali na rua paralela à marginal [, ex-Rua Oliveira Salazar, hoje Rua  Guerra Mendes,] na Casa Pintosinho, havia as últimas novidades eletrónicas. Os melhores rádios, transistores, pick-ups, aparelhagens de som, máquinas de barbear e todo o mais. Akai e Pioneer era do mais reclamado e moderno. Estavam na moda.

Um rádio para pôr na mesinha de cabeceira era o que se pretendia mais. No mato, já a ventoinha, a 5 dedos da cara, ganhava bem aos rádios. Alguns compraram autênticos rádios de sala e andavam com eles debaixo do braço, como que a dizer que o meu é maior do que o teu, e os donos da música fossem eles; outros ficavam pelos mais pequenos (vulgo transístor) que se levava no bolso e para qualquer lado.

Um camarada comprou um rádio que se transformava em pick-up após uma ligeira articulação. Foi de abrir a boca. Na Casa Pintosinho comprei ali mais tarde um “Mitsubishi”. Este transístor andava em propaganda radiofónica local e assim andou durante bastante tempo. Seduzido por tanta propaganda fui lá buscar um mais tarde, quando passei por Bissau em trânsito para férias na metrópole. Boa compra, durou muitos anos e tocava dentro do carro como se fosse um auto-rádio. Uma relíquia, mesmo depois de deixar de tocar (os tombos foram muitos), posta fora inadvertidamente, para desespero meu.

A Casa Pintosinho era uma casa atualizada e a tropa era lá muito bem recebida e atendida. Pudera! Sargentos e Oficiais tinham manga de patacão. (...)

 Taufik Saad (4)

(...) Na mesma rua e mais para o lado da Amura, na loja Taufik Saad  [, foto à esquerda, ] comprava-se, principalmente, entre outras, louças decorativas, vulgo bibelots, louças de servir à mesa, faianças e porcelanas, louça fina, entre esta bonitos Serviços de chá e café que vinham da China. 

Louça “casca d’ovo “, louça de fina espessura para não fugir aquele nome, onde no fundo se podia ver recortada na própria louça o rosto de uma linda chinesa. 

Ainda hoje guardo um serviço destes. Era uma casa requintada ao nível das melhores de Lisboa. (...)

Anúncio, Revista de Turismo,
 jan/fev 1956

Casa Pintosinho, de António Pinto  (2)

(...) O anúncio que hoje divulgamos é de uma conhecida casa de Bissau, do nosso tempo, a Casa António Pinto, ou "Pintosinho", alegadamente a melhor e a mais moderna loja da província (, em 1956, já não se dizia, ou pelo menos, não se escrevia, colónia...).

O António Pinto, que ficava na Rua Dr. Oliveira Salazar [, hoje Rua Guerra Mendes,] tinha tudo, a começar pelas "últimas novidades", desde a ourivesaria às armas, munições e demais artigos de caça e desporto, par de rádios e máquinas fotográficas (como a Zeiss Ikon)...

Era o representante,na Guiné, de uma série de marcas famosas, desde os relógios "Longines" às máquinas de escrever "Hermes", além dos "whisk" (sic, em inglês, batedeira, utensílio de cozinha...) das melhores marcas (...)


Pinto Grande, depois Ernesto Carvalho (3)



(...) Guiné > Bissau > Anos 50 > Primeira rua [, Rua Oliveira Salazar,] a ser alcatroada em Bissau. O edifício à esquerda  era o estabelecimento comercial conhecido por Pinto Grande, irmão de um outro Pinto conhecido por “Pintosinho” [,o António Pinto, ] por ser (o estabelecimento) de menores dimensões.

O “Pinto Grande” [, de Augusto Pinto], embora continuando a ser chamado por esse nome, foi, durante a guerra, propriedade de um comerciante anteriormente estabelecido em Bolama, de nome Ernesto de Carvalho que o tomou de trespasse. (...)

Mário Dias

Anúncio, Revista de Turismo, jan/fev 1956
Farmácia Moderna (5)

(...) "O Rui Demba Djassi era um jovem activo e turbulento duma família de funcionários públicos, residente na então rua de S. Luzia, entre o estaleiro da Tecnil e o Quartel-General do CTIG, desertara do Eexército Português para o PAIGC com o posto de furriel miliciano, e, antes de assentar praça, fora cobrador da Farmácia Moderna, muito dedicado à Dr.ª Sofia Pombo Guerra, comunista portuguesa e uma das mães da independência da Guiné (os guineenses não deixaram de ser polígamos na política)" (...)




Guiné > Bissau > Fins de Setembro de 1967 >– Numa rua da Baixa, pobre, suja, velha, a cidade velha, penso ser na zona comercial, onde se localizava a Casa Pintosinho e a Taufik Saad e outras. Penso que estou metido num grupo de amigos, e alguém tirou a foto, acho que estou de camisa branca.

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Bissau > s/d [ c. 1960/70] > Rua Oliveira Salazar. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 135". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, SARL).

Era nesta rua, na Bissau Velha, que ficava a Casa Pintosinho, a Taufik Saad,  a Casa Pinto Grande e outras. Colecção de postais da Guiné, do nosso camarada Agostinho Gaspar, natural do concelho de Leiria, ex-1.º cabo mec auto rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74).

Digitalização e edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).

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domingo, 29 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18578: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (10): por que é que eu, que fui assíduo ao longo de 10 anos, deixei de poder ir a Monte Real (Raul Albino, ex-alf mil, CCAÇ 2402, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70)


Monte Real, Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca Grande > ; Dois homens do Oio, que vão estar ausentes em 2018, com muita pena nossa:

(i) Raul Albino ( ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, ,Mansabá e Olossato, 1968/70);

(ii) e Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67). 

Em 2011 tive finalmente a oportunidade de conhecer, em carne e osso, o Rui (e a esposa, Regina Teresa), que vive em Santa Maria da Feira... O Raul, por sua vez, é de Vila Nova de Azeitão, e também veio acompanhado da esposa, Rolina. Raul, antigo quadro técnico da IBM, falou comigo sobre a necessidade de encontrar ou explorar novas soluções informáticas para um blogue que cresceu muito, demasiado até, sobretudo a partir de 2008... Não tenho podido ouvir os seus bons conselhos desde o X Encontro Nacional (2015). Vou tentar telefonar-lhe

Foto (e legenda): © Luis Graça (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem,. com data de 26 do corrente, enviada pelo Raul Albino (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70)

Amigo Vinhal,

A minha ausência nos dois anos anteriores tem uma explicação que vos devo comunicar, depois de uma presença regular de 10 anos seguidos.

Tinha de ser uma razão de peso, de saúde, evidentemente. Não é uma doença mortal, mas é uma doença incapacitante que me leva a alegria de viver e parece não ter solução médica, nem grande alivio para as dores. Estou a falar de problema da coluna vertebral com afetação do nervo ciático. 

O médico operador não lhe quer tocar após ter analisado uma Ressonância Magnética. Como as medicações existentes não produzem qualquer efeito aceitável, o médico cirurgião nem me receitou qualquer medicação, porque os efeitos adversos são enormes, sem que causem alivio assinalável. 

Já nem posso arriscar a conduzir o automóvel por distâncias superiores a 50 kms. Alguns dias as dores são toleráveis, mas não sei quais são, só sei que são raros. Dizem que, por vezes, o tempo resolve o assunto. Se isso algum dia acontecer, solicitarei a alguém que me dê uma boleia, sempre sujeita a cancelamento muito perto da viagem.

Que o vosso convívio corra pelo melhor. O relógio devia retroceder, mas sabemos que isso é impossível e a vida está-nos a abandonar aos poucos, afetando o quorum dos convívios. Um grande abraço para ti, para a Dina, para o Luís Graça e restantes tabanqueiros. Passem bem.

Raul Albino

2. Comentário do Carlos Vinhal:

Amigo Raul

Tenhamos esperança em dias melhores. Se a idade já não vai dando tréguas, o tempo resolve, às vezes, problemas que julgamos insanáveis.

De certeza que um dia te vais inscrever com a tua companheira Rolina, melhores dias virão.

As melhoras para ti e um beijinho meu e da Dina para a Rolina. Sois pessoas de quem falamos muitas vezes e de quem já temos alguma saudade.

Abraço grande do camarada e amigo
Carlos
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Nota do editor:

Último poste da série >  29 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18577: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (9): por que é que eu, este ano, e mais uma vez, não poderei estar presente nesse maravilhoso convívio, em Monte Real (Valentim Oliveira, ex-sold comd, CCAV 489 / BCAV 490, Como, Guidaje e Farim, 1963/65)

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15743: Fotos à procura de... uma legenda (70): Spínola e Costa Gomes em Caboxanque, com o Cap Cav Carvalho Bicho, outros oficiais, um milícia e o chefe da tabanca (Rui Pedro Silva, ex- cap mil, CCAV 8352, Caboxanque, Cantanhez, região de Tombali, 1972/74)


Guiné > Algures > Maio de 1973 > Costa Gomes, CEMGFA (Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas), dá início, a 25 de maio de 1973, a uma visita ao Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG), para se inteirar do agravamento da situação militar e analisar medidas a tomar com vista a garantir o espaço de manobra do poder político em Lisboa.

Foto: © Pierre Fargeas / Jorge Félix (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



1. Comentário, de 13 do corrente,  de Rui M. Silva ao poste P15734 (*)

[Foto à esquerda: Rui Pedro Silva, membro da nossa Tabanca Grande, ex-alf mil, CCAÇ 3347 (Angola, 1971), ex-ten mil, BCAÇ 3840 (Angola, 1971/72), e ex- cap mil, CCAV 8352 (Guiné, Caboxanque, 1972/74)]


O Gen Costa Gomes visitou a Guiné por duas vezes em 1973 (Janeiro e Maio).

Estas fotos foram tiradas em Caboxanque, Cantanhez. Julgo que a foto é de Janeiro mas sendo assim entre estes oficiais deveria estar o Ten Cor Araújo e Sá, Cmdt do BCP 12 e do Cop 4,  e/ou o Major Moura Calheiros [, 2º comandante].

No livro "A Última Missão", do agora Cor  pára ref  Moura Calheiros (**),  verificarão que a páginas 351 se encontra uma foto desta visita em que se reconhecem muitos dos presentes nas fotos agora publicadas. E nessa foto vê-se parcialmente a minha cara atrás do Gen  Spínola.

Não reconheço o militar que está atrás do Gen Costa Gomes.

A carregar a papelada, meio encoberto,  julgo ser o Cap Matos,  ao tempo comandando o destacamento de Caboxanque.

O oficial à esquerda do Gen Spínola (de boina) é o Cap Cav Carvalho Bicho,  ao tempo comandando a CCaç 4541/72,  sediada em Caboxanque,  tendo participado na operação "Grande Empresa",  de ocupação do Cantanhez.

O outro oficial por estar parcialmente encoberto não consigo identificar.

Em primeiro plano temos um milícia de Cufar e o homem grande e chefe da tabanca de Caboxanque.

Tenho que recorrer aos papeis para me recordar do seu nome que merece ser referido.

Um abraço a todos,

Rui Pedro Silva
Ex-Cap Mil,  CCav 8352/72,
Caboxanque
(Dezembro de 1972 / Junho de 1974)



 Angola, Zemba >  Dezembro 1971 > Visita do Gen Costa Gomes (em segundo plano, á esquerda, de camuflado e óculos escuros). Em primeiro plano,do lado direito,  o oficial de dia, o então alf mil da CCAÇ 3347 (Angola, 1971), Rui Pedro Silva. (***)

Foto (e legenda): © Rui Pedro Silva (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

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Notas do editor;

(**) Vd. poste de > 5 de dezembro de 2010 >  Guiné 63/74 - P7385: A última missão, de José Moura Calheiros, antigo comandante pára-quedista: apresentação do livro (4): "A História, tal como a ficção, não pode ficar em suspenso sem um epílogo que a justifique e lhe dê um sentido" (António-Pedro de Vasconcelos)

domingo, 26 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14527: No 25 de abril eu estava em... (25): Tomar, RI 15, era 1º cabo miliciano e fui destacado para defender a estratégica barragem de Castelo de Bode, com mais 14 homens, e descobri, nessa missão, que a solidariedade afinal não era uma palavra vã (Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-fur mil op esp, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, 1974)




Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > X Encontro Nacional da Tabanca Grande > 18 de abril de 2015 > O Eduardo (em cima) e o filho, Carlos Eduardo (em baixo, à esquerda, tendo a seu o José Almeida e a Antónia, de Viana do Castelo...).

O Eduardo foi buscar o filho ao aeroporto, a Lisboa. Trabalha na... Roménia.  Presumo que tenham vindo de férias... Ainda passaram, a correr, por Monte Real, a caminho de casa. Almoçaram connosco e continuaram a viagem até casa... Um gesto de grande camaradagem e de carinho que todos apreciámos... [No foto acima, o Eduardo, de pé, está a falar com o Mário Fitas (Cascais), o Rui Silva e a esposa Regina Teresa (Feira), habituais participamtes do nosso encontro anual.] (LG)

Fotos: © Manuel Resende (2015). Todos os direitos reservados.


Capa dos cadernos do ex-ranger Magalhães Ribeiro, que fez parte do lote dos últimos soldados do império... Recorde-se quie ele foi furriel miliciano da CCS do Batalhão 4612/74 (Mansoa, 1974). Foi mobilizado para a Guiné já depois do 25 de Abril de 1974. Chamei a esses cadernos o "Cancioneiro de Mansoa"... Na capa, reproduzida acima,  pode ler-se: (i) em Lamego... ser ranger; (ii) em Tomar... participar no 25 de Abril; (iii) em Mansoa, Guiné... arriar a última Bandeira.


Foto: © Magalhães Ribeiro (2005). Todos os direitos reservados.


1. Num caderno, de 47 páginas, de que  o nosso camarada Eduardo Magalhães Ribeiro [ foto à esquerda,  "quando pira"], me ofereceu um cópia quando o conheci pessoalmente, no seu local de trablho, no centro do Porto, ele conta, em verso, as peripécias da sua atribulada vida militar. 

 Esses versos já foram aqui reproduzidos, originalmente, há largos anos (*)... Como escrevi na altura, o "Cancioneiro de Mansoa" está imbuído da ideologia (ou da mística) dos rangers, mas tem a curiosidade de ser um documento pessoal,  escrito por um dos últimos guerreiros do império e, para mais, ao longo dos anos que se sucederam ao 25 de Abril de 1974 em que o autor também participou... com um missão de retaguarda: a defesa da barragem de Castelo de Bode, um ponto absolutamente estratégico (já que a grande Lisboa dependia dela para o abastecimento de água e de energia elétrica)... 

A barragem era gerida então pela CPE - Companhia Portuguesa de Electricidade (nascida, no final da década de 1960, resultante da fusão das empresas concessionárias da produção e Transporte da rede eléctrica primária; nacionalizada em 1975, estaria mais tarde,  em 1976, na origem da  EDP)

Esta sua participação nas operações no 25 de abril, mesmo que fora dos holofotes da ribalta e da história, é conhecida dos mais antigos membros da Tabanca Grande, mas não da maioria que chegou depois de 2007 (*)... Justifica-se por isso a reedição destas quadras singelas do nosso "ranger" (que eu depois convideu  para coeditor).  

É uma dupla homenagem, (i) ao 25 de abril de 1974 (com tudo aquilo que ele significa para todos nós, independentemente da leitura que cada um possa faz desse acontecimento histórico, que todos vivemos); e (ii) ao nosso camarada Magalhães Ribeiro que merece todo o nosso apreço, amizade e camaradagem... 

Curiosamente, o Eduardo estaria longe de imaginar, em 26 de abril de 1974, que ainda haveria de ir trabalhar para a EDP como técnico de manutenção de barragens... Enfim, mais uma terceira razão para dar a conhecer esta versão poética de uma missão que ele executou, com prontidão, galhardia  e espírito de desenrascanço, que são timbre de qualquer "ranger", e longe de imaginar que, quatro meses depois, estaria em Mansoa a arriar a última portuguesa no território da ex-Guiné portuguesa (**)... (LG)



O 25 de Abril, a Barragem [de Castelo de Bode] e a CPE [, Companhia Portuguesa de Eletricidade]

por Eduardo Magalhães Ribeiro

Depois das Caldas da Raínha,
Lamego e Évora longe vão,
Seguiu-se a cidade de Tomar,
1ª Companhia de Instrução.

Regimento de Infantaria 15,
Ía eu no décimo mês militar,
Em Abril de setenta e quatro,
Aconteceu numa noite de luar.

Gerou-se confusão no quartel,
Alguém correu a dar o alarme,
Corria o dia vinte e cinco
Ordem: "Toda a gente se arme!"

Falava-se numa revolução,
Tropas a avançarem p’rá Capital,
A ocuparem as rádios e a TV
E outros d’importância vital.

Como achei aquilo estranho
E estava a ficar ensonado,
Fui tomar um banho e deitei-me;
De manhã... ruídos por todo o lado!

Os ouvidos todos nos rádios,
Seguiam os acontecimentos,
Alguns mostravam indiferença,
Outros devoravam aqueles momentos.

- O nosso Capitão quer vê-lo, já!, 
Diz-me de repente um soldado;
Ao chegar junto dele reparei
No seu ar nervoso e preocupado.

- Meu capitão, bom dia, dá-me licença?
- Tenho uma missão p’ra lhe confiar...
Há um levantamento militar geral...
Com intenção do regime derrubar!

- Veio ordens para os Pides prender,
E controlar todos os pontos vitais...
Por isso, tenho aqui neste mapa
Já definidos todos os locais!

E, perante a minha curiosidade,
Disse: - Em Lisboa rein’a confusão...
O Movimento das Forças Armadas
É dono do Poder e da Decisão.

- Dividi as missões e o pessoal,
A si, tocou segurar a barragem…
Castelo de Bode, veja aí no mapa…
Um Cabo, treze homens, siga viagem!

Chegado lá, estudei a área,
Rio, coroamento, margens e central,
Sete homens vigiam, sete descansam,
Olhos atentos a algo anormal.

Mandei montar a tenda no jardim,
As horas passaram rapidamente,
O tempo do almoço passou e, nada…
- Liga o rádio p’ró quartel, urgente!

Diz o Cabo: - Está avariado!-...
Ora, sem rádio e sem almoço,
Também se passou a hora de jantar
E, para comer, nem um tremoço.

O Cabo começou então a divagar:
- Ou está tudo morto no quartel,
E s’esqueceram de nós aqui,
Ou foram p’ra Lisboa, c’um farnel!

Entretanto no nosso controle auto,
Os civis davam sinais de alegria,
Faziam-me perguntas suspeitas
Qu’eu declinava, e não respondia.

Ao fim da manhã do outro dia,
Deleguei o comando ao Cabo,
E fui pesquisar os arrabaldes,
Pois à vista, p’ra comer, nem um nabo.

Contado todo o dinheiro, concluí:
- Nunca vi gajos tão tesos, porra!
Lembrei-me da regra simples da tropa:
Quem não se desenrasca, que morra!

Na margem direita, um pouco abaixo,
Vi uma estalagem da CPE,
Qualquer coisa da Electricidade,
E com coragem avancei, pé ante pé.

Expus ao chefe o meu problema
E descobri, naquela fresca manhã,
Que a palavra solidariedade
Afinal não era uma palavra vã.

A tropa não era só marcar passo!,
Permitia conhecer outras terras,
Com belas paisagens e monumentos,
Por entre cidades, vales e serras.


Autor: Magalhães Ribeiro - 1º Cabo Miliciano
1ª Companhia de Instrução - 4º pelotão